A Odisseia 

             A viagem de uma vida... a solidão, a companhia, o desespero, a amizade, 

            o amor, as desventuras... a partilha de um estado de espírito. É, sem dúvida, uma Odisseia.

 

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Um primeiro post sobre IVG

Amigos e amigas:
Para quem não sabe, sou homem.
Nunca poderei estar confrontado com a decisão de fazer um desmancho, uma interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Mas poderei estar na situação de acompanhar uma mulher que considere, seriamente, essa opção. Uma mulher cuja situação económica não lhe permite cuidar, como é seu direito, do seu filho. Ou uma mulher cuja situação profissional seria seriamente afectada por uma gravidez completa, devido à crueldade de certos patrões. Ou, ainda, uma mulher cuja pressão social, familiar e psicológica seria muito difícil de suportar durante 6 meses da sua vida, para já não falar nos anos seguintes de trauma pelo acto de ter um filho e ter de abdicar de acompanhar o seu desenvolvimento.
Ao acompanhar uma mulher em qualquer destas situações, ou em todas, que poderei fazer?
Aconselhá-la a não fazer o desmancho... sempre. Mas tenho de lhe dar alternativas ao desespero que sente.
Nada posso fazer quanto à sua situação económica, nem sequer pensar no Estado para a ajudar...
Nada posso fazer contra os patrões que não aceitam mulheres que engravidem... as denúncias ao IDICT não resolvem nada... só pioram a situação.
Posso falar com os pais, com os amigos, com os professores... mas não posso estar ao lado dela todos os dias durante esses 6 meses e durante todos os anos dificeis que se seguirão a apoiá-la e a defendê-la dessa pressão.
Se amar essa mulher posso prometer-lhe ajuda... mas é ela que tem de suportar tudo na pele.
Se amar essa vida em potência posso prometer-lhe ajuda... mas é ela que tem de suportar tudo na pele.
Se quiser ajudá-la a exercer o seu direito a se reproduzir livremente... não posso.
Não posso porque vivo num país em que o Estado entende que as mulheres não têm direito de escolher não se reproduzirem. Num país em que o Estado obriga toda e qualquer mulher, salvo em situações extremas e, mesmo assim, sem acautelar os seus direitos, a dar 9 meses da sua vida... e mais, na maior parte das vezes, em nome de quê? Da vida em potência que vive dentro dela?
Se acham que essa vida é mais importante... obriguem as mulheres portuguesas, aquelas que não sabem ou não podem contornar a lei, a viver a sua vida toda a sofrer na pele por uma escolha, a que têm direito, mas que não podem fazer. Obriguem os filhos dessa impossibilidade de escolha a carregarem a marca dessa obrigação.
Eu não sei o que faria... mas sei que nunca estarei na posição de escolher...
Sou contra a IVG, por princípio... Mas nunca serei capaz de impor a uma mulher o sofrimento de uma gravidez se ela não a entender como uma alegria...
Espero que Vós, que vos achais no direito de impor a uma mulher uma gravidez não desejada, não apoiada e sem esperança, nunca se vejam na situação daquelas que optam por interromper voluntariamente a gravidez. Mas, se vos virdes nessa situação, não sejam hipócritas, não façam "tratamentos de gravidez" no estrangeiro. Obriguem-se a vós mesmas a ter o filho, já que o Estado, a vocês, nada pode obrigar. Espero que mesmo assim sejam felizes... por certo terão mais possibilidades de o serem que muitas outras mulheres portuguesas.